Thursday, February 15, 2007

Reflexos

De quando nasce, e até à foz, consuma o rio um destino essencial: nasceu gota, morre em mar. Entretanto, definiu o seu trajecto: escorre por declives, acumula-se até transpor obstáculos. Às vezes, desfaz-se em cascatas. Logo recupera o leito virtual. Em certas épocas, tal é a seca que quase se esvai. Porém, a terra mantém as feridas da sua passagem, conserva os sulcos que a serpenteiam, para novas torrentes e enchentes. O caudal é a alma do rio: ainda outras vezes, alaga as margens, tudo inunda.

Nunca um rio será árido nem tédio: pode atenuar-se mas, por vocação, garante o solo arável.

E nada há mais cativante que um reflexo em suas águas, sobre a aparência estática. Esse espelho líquido em caprichos de traços, manchas, cores – e em que a imagem das pessoas se distorce, espalha, divaga... Vistas assim, é como se estivessem de pernas para o ar. Enquanto que, submersos, agitam-se os monstros.

30JAN2007

Vestígios


Perdidos no deserto, há pés que se esvaem na areia, antes que o mar dissolva os corpos que encaminham através da exaustão. Todas as distâncias têm um dispêndio, é líquido que todas as costas têm um custo, para quem ousar o alcance em que se narra a fímbria que separa entre terra e água. E, se a quem nada, nada de bom aguarda, almejando o abismo, quebrar a obstinação das serras encerra o prazer de cortar ondas, na expectativa de uma estrada plana. O olhar que vê ao fundo, distinguindo vultos semoventes, entre a espuma e as rochas, contempla a mesma equidistância da sua fixação pelo balanceio alheio. E afinal estes vestígios, traçados em solo movediço, firmam também um percurso a solo, já transcrito. Até que uma vaga os torne imperceptíveis, diluindo para sempre a sua efémera passagem... Quem formulou um sentido para tais palavras? Quem procurou algo em algures, permanecendo suspenso num instante?

29JAN2007

História


A história faz-se entre monumentos do passado e vestígios do presente. Pedras que eternizam feitos, ruínas que simbolizam factos. Uma memória construída para o esplendor, uma janela aberta para o futuro. As sombras que se projectam numa parede descarnada já de estilos, de inscrições. A dimensão que se recorta num rectângulo possível para o azul, para o vazio.

Que heróis deixaram que contar, que mãos de homens ergueram tal aparência na paisagem? Como se adensou um tal negrume reflectido, contrastado na abertura ante um céu imponderável?

Porque quiseram alguns prevalecer, entre mitos e misticismos?

Como lograrão outros permanecer, os transitórios e visionários?

– Armei-me, avassalei e, sobre tudo, conquistei. Eis a prova de que estive neste mundo, o testemunho da minha glória.

– Amarei, abalarei e, sobretudo, encantarei. Eis o tempo despojado de um olhar, a matéria etérea do meu imaginário.

25JAN2007