Tuesday, January 30, 2007

Pesqueiro

Imperceptível, sob o espelho líquido, mantém ainda a âncora. Mas já sem préstimo, perdida entre o lodo, inerte e corroída. As suas verdadeiras amarras são, agora, a própria degradação de um corpo gracioso, necessário, que sulcava as ondas e atraía o peixe. Ali abandonado, sem homens e sem fainas, ao sabor funesto das marés entre o rio e o mar. Entretanto, o casco corrompeu-se. A água entrou a bordo, tudo foi invadindo, destruiu-lhe as entranhas. Precário, acabou por ceder, apenas meio submerso junto à margem pouco profunda. Aquele túmulo incompleto, volúvel. Perto de areias e pedras poluídas.

Que terrível desolação. À distância, do outro lado, persiste a vivência e a labuta. Uma vista colorida, mutante, indiferente, através dos raios de sol e das luzes à noite. Através das brumas, dos ventos, das chuvas, das tardes, dos tempos, inútil, lança o seu lamento silencioso. Pode um barco ceder, cegar?

José de Matos Cruz 19JAN2007